No Brasil, quando um casal homossexual decide adotar uma criança, o pedido da adoção sai no nome de um dos pais, com a condição sexual e de casal no laudo enviado ao promotor e ao juiz. Essa situação é no mínimo estranha. Aos olhos da Justiça, o casal não existe, apesar de existir. "Acho uma hipocrisia não poder entrar com pedido em nome dos dois. É a Justiça não enxergar a realidade", condena a desembargadora Maria Berenice Dias. Situações como essa, diz a magistrada, geram uma série de limitações para a vida do casal e da criança. O laudo das psicólogas pode atestar a união, porém apenas um terá a guarda. No caso de separação, a criança fica com o adotante. O outro não tem direito à visitação nem obrigação de pagar pensão alimentícia.
A atuação da Justiça é sempre importante em casos polêmicos. Aumenta a chance de corrigir situações como a de herança e estimula a sociedade a discutir o tema e aos poucos perceber que não é possível ignorar uma realidade. "Quando o juiz determina que tal situação é aceitável, dá mais transparência ao tema", acredita Maria Berenice. Mas quando se trata de gays a questão ainda é delicada. Para o Estado, por exemplo, os gays não existem. O IBGE não pergunta qual é a orientação sexual dos brasileiros e assim não se sabe quantos são no país. "É uma realidade ignorada", diz a sexóloga Claudiene Santos, autora de uma pesquisa com famílias homossexuais. Nos Estados Unidos, 27% das famílias homossexuais têm filhos. Se a atuação da Justiça ajuda a modificar cenários, será necessário chover decisões favoráveis. Uma pesquisa realizada pelo cientista político Alberto Almeida mostrou que 89% dos brasileiros são contra a homossexualidade masculina.
Contra a maré
A decisão da Justiça de Catanduva, que em novembro de 2006 deu vitória ao casal Vasco Pedro da Gama Filho e Dorival Pereira de Carvalho na adoção de Teodora, acompanha uma tendência mundial em favor do reconhecimento dos direitos dos homossexuais. A Espanha aprovou o casamento homossexual em junho de 2005. É o quarto país a legalizar a união civil gay. Com esse reconhecimento, os casais podem entrar com pedidos de adoção. Por aqui, o caminho ainda é longo. A psicóloga Anna Paula Uziel, analisou oito processos de adoção, solicitados por homossexuais nos anos 90, no Rio de Janeiro. Sete eram de homens e um de mulher. Todos foram aprovados. Porém quando quem solicitava era homem, as exigências de psicólogos e assistentes sociais aumentavam. Júnior sentiu essa pressão. Foi duramente inquirido. "Elas só me jogaram pedra", brinca. Ele especula que as profissionais desejavam saber se ele estava realmente preparado. Na pesquisa de Claudiene com 15 casais, o preconceito, até mesmo de gays, foi apontado como o principal obstáculo para o convívio social.
A atitude de todos os envolvidos no caso foi elogiada por ativistas e defensores dos direitos dessa minoria. "Achei muito corajosa", diz Maria Berenice. Ao esconder da Justiça sua condição de casados, todo casal corre o risco de ter o pedido de adoção anulado. E, nesse caso, a criança fica arriscada a voltar para uma instituição.
Patrícia Cerqueira - revistacrescer.globo.com
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